5 de abril de 2020

Laranja

Ontem ele se escondeu dentro do armário de toalhas, a toalha laranja estava em cima da pilha, fazia tempo que ele não resolvia entrar lá pra tirar um cochilo, minha mãe logo percebeu que ele havia sumido e eu tratei de procurar.
No chão logo em baixo havia um pouco de vômito, o remédio pra vômito só fez efeito por dois dias. Limpei e acabei tirando ele de dentro do armário pra alimenta-lo.

De noite ele pulou a janela do quarto do meio, ele não fazia isso a muito tempo, tinha ficado preguiçoso de procurar terra pra fazer as necessidade. Observei algumas vezes pela janela pra me certificar que ele estava lá, a silhueta se escondia entre os baldes e a casinha do poço.
Ele queria ficar sozinho.
Fiquei preocupado com a chuva que sempre aparece de noite, mas não haviam nuvens suficientes, em qualquer sinal de chuva ou sereno eu iria atrás dele.
Resolvi respeitar.

Hoje de manhã ele continuou no quintal, resolveu ir para a parte coberta e ficar quietinho. Dei remédio e coloquei a água perto dele pra que ele pudesse se hidratar.
Espero que isso não dure muito.
No meio da manhã tentei alimentar mas ele não colaborou, a essa altura ele já havia passado dois dias comendo patê pela seringa, já que nem a comida preferida dele ele aceitava comer, quando aceitava comia pouco. Me dispus a dar o patê na boca dele para que ele não ficasse fraco, mas ele resistia alguns momentos.
Consegui almoçar bastante, diferente de ontem que eu tive uma crise logo cedo e tomei um remédio pra não ficar chorando e passei a manhã dormindo.
De tarde comecei a ouvir pequenos gemidos. A princípio achei que fosse a criança que mora vizinho, mas depois de uma segunda vez eu percebi que eram gemidos dele. Naquele momento eu parei o que estava fazendo e fui vê-lo.
As formigas estavam rodeando o resto de comida que ficou no chão e ele não reagiu quando me viu, continuou deitado de olhos abertos. Me encolhi e fiz carinho nele, chorando e dizendo que logo logo iria passar. Tentei dar água para ele mas ele não aceitou, percebi depois que ele havia feito xixi sem sair do lugar e estava começando a molhar ele também.

Tratei de pegar a tolha laranja que ele subiu em cima ontem. Fiquei ainda um tempo no chão, pegando no corpinho dele que quase não reagia mais ao toque. Sai de perto algumas vezes me preparando pra tomar banho mas voltava assim que ouvia um gemido dele. Por quase três vezes eu tirei a roupa para tomar banho mas vesti para atender ele.
Resolvi que iria deixar uma blusa minha pelo menos enquanto eu tomava banho, podia ser meu cheiro, apesar de começar a perceber que aquele chão já não tava tão agradável pra quem passou o dia nele.
Minha mãe brigou, argumentou que ele havia escolhido ficar ali, e eu disse que talvez estivesse quente de mais, seria melhor coloca-lo dentro de casa.

Assim fiz, levei ele com a toalha e a camisa para de baixo da mesa em que ele sempre ficava, perto da comida e da água. Tomei meu banho, jantei e resolvi ficar no quarto do lado da cozinha.
Os gemidos começaram a ficar mais frequentes, acho que é a hora de ficar perto dele. Apesar de ouvir ou ler ou imaginar que talvez os gatos normais gostam de se isolar quando estão perto de morrer, talvez pelo fato que outra gatinha minha sumiu antes de morrer, eu pensei que talvez o Oliver quisesse minha companhia.
Na verdade eu queria a companhia dele, sabia que isso iria acabar.
Fiquei com medo de durar muito e continuava a chorar, resolvi que ali ia ficar com um travesseiro no chão ao lado dele ouvindo músicas.
Primeiro escolhi algumas que gosto, mas pensei que talvez não fosse o adequado.
Lembrei que músicas clássicas podem acalmar e procurei uma playlist para sono profundo.
Coloquei baixinho a música, entre eu e ele e fiquei o acariciando, as vezes ele gemia e eu dizia para ele que ele era lindo, que eu o amava e que tudo isso ia passar, que era só um momento, essa dor não iria durar para sempre.
Eu vi o ultimo suspiro dele e senti o alívio por aquela dor passar.